sábado, 31 de julho de 2010

texto do Franco Berardi (Bifo)

“Franco Berardi, mais conhecido por Bifo (Bolonha, 1949) é um filósofo e agitador cultural italiano" (WIKIPÉDIA)

Conheci o trabalho de Bifo no hoje desativado site rizoma e em alguns textos do Peter Pál Pelbart. Fiquei bem interessado com a forma como ele relaciona comunicação e resistência. Guattari e Bifo tiveram ligaçoes com a emergência das rádios livres na europa nas décadas de setenta e oitenta. Infelizemente tem pouca coisa dele traduzida aqui no Brasil; de livros apenas a Fábrica da Infelicidade.

O texto mais recentes de Bifo que encontrei (de 2009) foi publicado no
generation-online, site que tem algumas traduções para o inglês de autores da crítica italianos, como o famoso Antonio Negri, e Paolo Virno que também trabalha com o conceito de multidão, entre outros.

Segue abaixo parte do texto que trata da crise atual do capitalismo e das potencialidades da crise. Tradução (livre) do inglês é minha do original que se encontra aqui.

O COMUNISMO ESTÁ DE VOLTA, MAS DEVERÍAMOS CHAMÁ-LO DE TERAPIA DA SINGULARIZAÇÃO
Franco Berardi

1. Além do nosso conhecimento

Economistas e políticos estão preocupados: eles chamam o que está acontecendo de crise e esperam que ela se revele como as crises que atingiram a economia no século passado, e que apenas deixaram o capitalismo mais forte. Eu acho que o que está acontecendo é diferente. Isso não é uma crise, mas o sintoma de incompatibilidade da potência das forças produtivas (trabalho cognitivo em rede) e o paradigma do crescimento. Isso não é uma crise, mas o colapso final de um sistema que perdurou pelos últimos cinco séculos.

As grandes potências mundiais estão tentando resgatar instituições financeiras. Mas o colapso financeiro afetou o sistema industrial, a demanda está caindo, empregos são perdidos aos milhões. No objetivo de resgatar os bancos o Estado está tirando dinheiro de impostos futuros, e isso significa que a demanda cairá ainda mais nos próximos anos. As despesas das famílias estão em declínio, e conseqüentemente a produção industrial será demitida. Isso não terminará em poucos anos, essa situação será eterna.

Em artigo para o Herald Tribune o conservador moderado David Brooks diz: “estou preocupado, pois estamos operando além de nosso conhecimento econômico.” Este é o ponto: a complexidade da economia global está além de qualquer conhecimento e governança. Apresentando o plano de regate de Obama, em fevereiro de 2009, Timothy Geithner, o secretário do tesouro americano, disse: “eu quero ser franco. Esta estratégia custará dinheiro, ela envolve riscos e tempo. Nós teremos que nos adaptar enquanto a situação muda. Teremos que tentar coisas que nunca tentamos antes. Cometeremos erros. Entraremos em período, no qual as coisas ficarão piores e o progresso será interrompido.” Enquanto essas palavras mostram a honestidade intelectual de Geithner e a diferença entre a nova liderança americana comparada com as “Bushites”, elas também apontam o colapso da autoconfiança política.

O conhecimento político que herdamos da filosofia racionalista moderna é inútil agora. Caos (um grau de complexidade que está além do entendimento humano) é o novo rei mundial. Os problemas que o mundo está encarando atualmente não podem ser resolvidos pelo caminho da adaptação e racionalização econômica. O paradigma capitalista não pode mais ser o domínio universal da atividade humana.
A história do capitalismo moderno acabou. E daí?

2. Net vs Crime

Vamos dar uma olhada retrospectiva na ascensão e queda da economia neoliberal, a economia da lei do mais forte. Há dois lados na economia pós-moderna dos últimos trinta anos: um que pode ser chamado de “Net-Economy”, e o outro, “capitalismo criminoso”. A net-economy é baseada na colaboração e compartilhamento, na criação de novas formas de administração da atividade social. A net-economy desafia o principio proprietário que reinou na sociedade capitalista moderna.

A fim de repensar e reimpor o domínio proprietário, o capitalismo reagiu de forma criminosa: a face criminosa do capitalismo é baseada no abandono de toda regra legal na busca de lucro e santificação da competição. Políticos criminosos levaram a economia global para a desordem presente, mas os criminosos estão ainda no poder em todas as nações, enquanto eles falharam em governar a realidade caótica criada pela desregulação. [...]

Uma contradição cresce entre o intelecto geral e a classe criminosa dominante. Quem vencerá?

A vitória de Obama nos Estados Unidos pode ser a abertura de um novo período na evolução da humanidade. Este acontecimento injetou novas esperanças no exército pacífico do intelecto geral em todo o mundo. O novo presidente foi eleito pelo trabalho cognitivo, e sua vitória é a derrota da classe criminosa representada por Cheney-Bush. Mas essa vitória marca apenas o inicio da luta que acontecerá entre as forças intelectuais e a força bruta da ignorância e do lucro.

A classe criminosa, composta de aventureiros das finanças, administradores de grande corporações, se apropriou do poder em duas direções: primeiro com a declaração neo-liberal da primazia da competição sobre qualquer domínio ético, político e legal. Segundo através da ocupação dos sistemas de produção da mente coletiva: o sistema de mídia. Fabricando esperanças e a imaginação coletiva, as mídias finalmente oprimiram a classe produtiva cognitiva; e dominou a exploração para os pesadelos dos explorados.

A privatização do espaço social comunicativo (propaganda, tv) produziu um efeito de alienação, de privatização da vida [...] que aniquilou com a solidariedade social, e forçou cada pessoa a pensar no isolamento de suas necessidades. Tome por exemplo a privatização da mobilidade, como uma distorção da esfera pública. Um objeto irracional, poluidor e desajeitado como o automóvel privado, foi objeto central da produção industrial no século 20.

Por qual motivo os automóveis têm que ser privados? Eles poderiam ser objetos públicos que cada pessoa poderia pegar e usar por um tempo, e então deixá-lo aberto na rua, pronto para o transporte de outras pessoas. Eles poderiam ser substituídos por um sistema de transporte público muito mais confortável. Por qual razão o sistema público de transporte foi sabotado pela classe dominante nas últimas décadas? Nós sabemos muito bem. A economia capitalista cria escassez no domínio dos transportes, como nos outros domínios. A criação de escassez é a premissa da acumulação, possibilitada pela privatização da necessidade.

Durante os anos 90 a ascensão da produção em rede e a expansão da cibercultura libertária abriram caminho para uma aliança entre capitalismo financeiro e trabalho cognitivo. Sob a bandeira do pontocom, jovens intelectuais e cientistas poderiam encontrar dinheiro para criar seus próprios empreendimentos, e um processo de redistribuição de renda tornou-se possível. Mas essa aliança quebrou-se quando a classe criminosa tomou o controle da nova potência tecnológica e a sujeitou ao poder da guerra. A experiência do pontocom foi capturada pela isca neoliberal, e na primeira década do novo século o trabalho intelectual tornou-se precário, forçado a aceitar todo tipo de chantagem econômica. A classe criminosa escravizou a classe cognitiva: o conhecimento foi fracionado, rendas reduzidas, a exploração cresceu.

O crash do pontocom e o 11/9 marcaram a submissão da experiência high tech. Isso perverteu a potência da tecnologia e do conhecimento, provocando incontáveis vítimas; o ódio se espalhou por todo o mundo. [...] Cidadãos do oeste foram convidados por Bush a viajar e consumir. Fazer shopping contra o terror, contra a depressão. Mas estes acessos massivos ao consumo eram financiados com uma vasta dívida. A população européia foi sistematicamente empurrada a comprar quantias enormes de coisas inúteis, mentalmente intoxicada pela publicidade e forçada a identificar felicidade com consumo e bem-estar com posses.

A privatização da necessidade e a redução do bem-estar a aquisições destruíram todo sentido de dignidade e amor próprio. O tempo social foi ocupado pelo fluxo de publicidade. [...] amor, ternura, sexo, afecções e cuidado com os outros transformaram-se em mercadoria. Cada pessoa tornou-se proprietária de muitos cartões de crédito, obrigada a trabalhar mais e mais a fim de pagar uma dívida cada vez mais crescente. Dívida tornou-se universal, e isso criou as condições perfeitas para o colapso. No fim o colapso aconteceu.

O crescimento nunca mais voltará, não apenas porque as pessoas não poderão pagar pela dívida acumulada durante as três ultimas décadas, mas também pelo fato de que os recursos físicos do planeta estão próximos do esgotamento, e os recursos nervosos do cérebro social estão próximos do colapso.

3. Protesto ético e Guerra

No fim dos anos 90, quando o processo de globalização e privatização estava além de criticas e sua potencial devastação estava bem escondida nas palavras dos gurus neoliberais, um movimento de protesto ético surgido da classe do trabalho cognitivo tornou-se consciente dos perigos da desregulação. No fim do século capitalista, em Seattle, centenas de milhares de pessoas se reuniram e marcharam com o objetivo de parar o encontro da OMC e protestar contra os efeitos da exploração global.

Foi o início da Era das Manifestações Éticas. De Seattle à Genova, de Praga à Bolonha, multidões de trabalhadores precários e cognitivos marcharam juntos. Eles eram a consciência ética do mundo, e, é claro, a agressão policial, instigada pela classe criminosa, tentou os esmagar. Alguns morreram, assasinados, pois falavam a verdade. Eles queriam avisar as pessoas do planeta que havia um grande perigo. Agora nós sabemos que eles estavam certos. Os No-global protesters davam a nós um aviso da catástrofe vindoura, e agora a catástrofe está aqui.

Catastrophe em grego significa uma mudança de posição que possibilita a visão de coisas que não poderiam ser vistas antes. Catástrofe abre novos espaços de visibilidade, e, portanto de possibilidade, mas também ela exige uma mudança de paradigma. Os manifestantes éticos foram derrotados após a marcha mundial contra a guerra em 15 de fevereiro de 2003. Cem milhões de pessoas marcharam contra a guerra no Iraque naquele dia. Bush disse que não precisava de conselhos, e ele começou a guerra.

eleições e resistência

Falta pouco para as eleições presidenciais. Temos três opções: uma a direita, Serra, duas no centro, o poder atual e a Marina. Essas três opções (e seus atributos) são as que a mídia nos dá, pois publiciza apenas elas em suas pesquisas e debates. Também a mídia nos dá outra opção: a aliança com a esquerda dita radical. A coisa é um pouco ambígua, pois o discurso da mídia relaciona os “radicais” também a certas alas do PT; e, além disso, mesmo o PT moderado é associado ao diabo: Chaves, Cuba, as Farc.

Bem, temos essas possibilidades: os presidenciáveis legitimados, ou nos marginalizar e ficar do lado da “escória vermelha”. Porém, segundo a mídia, não temos a possibilidade de contestar a própria estrutura do Estado, hierárquico, de poucos, essa democracia representativa que reproduz dicotomias: quem domina e quem é dominado. Contestação que romperia com a dicotomia, pois colocaria Chaves, Cuba, a esquerda “radical" e os aspirantes à presidência no mesmo saco.

Seriam interessantes pesquisas sobre essas pessoas que vão anular o voto, que não são poucas, para saber por qual motivo é posto de lado esse direito, símbolo da “democracia”. Provavelmente essa posição não é limitada a um discurso derrotista do tipo: dá tudo no mesmo, tanto faz.

Muita gente vai anular o voto, pois vê no Estado, um símbolo de centro de poder, e essa gente resiste ao poder dessa forma. Só que essa resistência é vazia. Estados-nação na globalização tem poderes limitados; os Estados dominantes dividem o poder com mega-corporações, instituições supranacionais. Os Estados subordinados, como o Brasil nunca foram soberanos; muitas forças exteriores agem e sempre agiram dentro do país. No entanto o gesto de anular o voto se alia a outros que se referem ao desejo de insubmissão a poderes, ao comando, à transcendência que sujeitam a massa. Esses que assim resistem, também resistem às disciplinas, na escola, no exército, em casa, no trabalho, ou melhor, resistem na vida que o controle continuo tenta capturar.

Desde que a internet apareceu como rede de redes, rizoma de singularidades, organizações horizontais foram atualizadas, inspiradas pela comunicação de todos para todos, sem centro. Muitos se organizaram de forma mais consistente, criando projetos constituintes. Outros, mesmo com a falta de oportunidade de atuar nesses grupos, usam a internet e fazem resistência do seu jeito: buscam outros canais de informação diferentes das grandes mídias, compartilhando informações em blogs, fóruns, nas redes peer-to-peer, nos mecanismo de publicação aberta, que possibilitam a qualquer um se tornar mídia. Tudo isso cria uma rede de colaboração e parceria, muito diferente da comunicação de uma via das grandes mídias, que apenas perseguem o lucro. Estas, assim perdem sua hegemonia.

domingo, 18 de julho de 2010

as teorias na pesquisa

Ao longo do mestrado, tive contato com pesquisadores da comunicação que têm certos autores fora do campo como a base de seus trabalhos.

Exemplos: Henrique Antoun (que trabalha com Negri e Hardt), Fábio Malini (idem), André Parente (Deleuze), Ivana Bentes (idem); e no ppg da comunicação da Unisinos: Marocco (Foucault), Suzana Kilpp (Deleuze) e Alexandre Rocha (Deleuze, Guattari, Negri e Hardt).

É claro que sou parcial nessa lista; esses são pesquisadores que admiro, também por trabalharem com os autores que são centrais para minha pesquisa. Mas me pergunto por qual razão Negri, Hardt, Deleuze e Guattari são apropriados pelo campo da comunicação (Foucault tem relações estreitas com eles).

Bem, Deleuze escreveu sobre cinema. Guattari criou o conceito de pós-mídia: está lá nas Cartografias do Desejo, nas Três Ecologias e, em um momento e outro, em Caosmose.

Quanto a Negri e Hardt, em sua obra conjunta, eles tratam das mídias em algumas passagens. Em Império e Multidão, eles falam da legitimação do poder global feita pelas mídias hegemônicas; citam os estudos culturais, Debord, Habermas e a escola de Frankfurt. Tratam do hacktivimo, movimentos do software livre e até do indymedia.

Acho que Antoun trabalha com eles, pois pesquisa as resistências, e como estas na contemporaneidade são midiatizadas, relações entre os autores e o campo da comunicação são fáceis de serem feitas. Como já disse em outro post: trabalhar com as resistências leva a estudo de Negri e Hardt, como também de Guattari e Deleuze.

Por fim, ligando resistência, esses autores e a comunicação – cibercultura – gostaria de compartilhar alguns links para arquivos: primeiro a tese de Fabio Malini
ex-orientando de Henrique Antoun. Malini faz uma leitura da obras de Negri, a partir das subjetividades sociais formadas pelos paradigmas de produção. Outra parte de sua tese é dedicada a conexões entre esse tema e a cibercultura.

Deleuze tem dezenas de livros traduzidos no Brasil, muitos pela editora 34. Mas boa parte desse material está disposta no Dossiê Deleuze,
que também tem muita coisa de Guattari. Algumas coisas que estão na web faltam, como o Anti-édipo: livro escrito com Guattari que é a primeira parte de Capitalismo e Esquizofrenia. De Foucault tem o espaço Michel Foucault e o 4shared.

Textos de Negri e Hardt são um pouco mais difíceis. Império e Multidão estão disponíveis em espanhol no último site. Encontrei um link para Commonwealth em inglês. Este é ultima parte de trilogia, as duas anteriores são Multidão e Império. Não tenho mais o link, mas usando torrent talvez seja fácil de encontrar.

É bom lembrar que fazer esse tipo de download é fazer resistência; e compartilhar documentos é distribuir conhecimento e ajudar a fortalecer toda uma rede que se mantém por cooperação.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

as formas de luta na Grécia

O momento difícil da economia grega se alia a um momento político importante: a crise européia, a visibilidade da tomada de poder por países dominantes e instituições supranacionais, como UE, FMI. A atenção dada pela grande mídia à crise do país torna fácil de o observar (é claro que em canais independentes), encarando suas resistências. Não li nada sobre movimentos anarquistas se insurgindo em bloco contra o Estado em outros países – por isso focalizo nesse país. No entanto lutas anarquistas se apresentam mais globais em táticas, que sempre estão presentes nos encontros dos lideres mundiais, como os Black Blocks – o G-20 do Canadá re-afirmou isso. ´

É difícil achar noticias sobre a resistência grega, principalmente aqui no Brasil. A mídia dominante, como sabemos, simplesmente desconhece esse lado da política. Encontro com mais freqüência matérias no CMI
em sua publicação aberta, principalmente nas traduções da ANA – Agência de Notícias Anarquistas – de sites do exterior. Quando tenho tempo dou uma olhada em um blog dedicado às resistências gregas, o From de Greek Streets e na A-infos, que me deixam atualizado.

Em uma tradução da ANA é exposta a repressão que inúmeros grupos e sujeitos estão sofrendo; processos, muitos deles acusações de assalto a bancos, seqüestros. Porém essas acusações são do Estado e da mídia, ou seja, são duvidosas, podem ser uma forma de aniquilar com os movimentos. Certamente são feitas, para destruir qualquer tipo de ação contra a ordem, o Estado, as políticas do poder global.

Em minha análise rápida, a partir de pouco material disponível, percebi três formas de resistência na Grécia: as lutas legitimadas, como as manifestações. A segunda forma concernia a práticas criativas: squats, autogestão, ocupações, expropriações. Por fim o lado suicida, as ações que levam a penas longas, o que comentei no último parágrafo. Digo suicida, pois isso nutre os meios de comunicação, e possibilita uma punição generalizada de todas as outras formas de resistência. Re-afirmo que esse lado suicida pode ser construção do Estado e mídias para levar a morte qualquer tipo de resistência.

No entanto mesmo as duas primeiras formas são duramente reprimidas: nas manifestações a polícia ataca em peso, agredindo e prendendo. Há uma imagem muito interessante em que um grupo armado de paus ou apenas com os punhos parte em direção de um bloco de policiais. Esta tática se assemelha as do Tutte Bianche. Há notícias de prisões nos squats. Como vimos em outro post a ocupação da TV pelo professores foi quase impedida pela policia. Me pergunto se esse controle maciço do Estado não gera manifestações mais violentas como os possíveis assaltos a bancos e seqüestros.

Por fim essas formas não são isoladas, se interpenetram: quem produz os espaços criativos está nas manifestações, e as manifestações envolvem criatividade – como a tática que expus acima. Quanto às resistências que se perdem na ilegalidade, vamos ver o que o tempo nos diz delas.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

sobre a banca de qualificação

Notei que em quase todos os posts sobre pesquisa, estou comentando a banca de qualificação. Como a coisa ainda está quente acho que é importante dizer algumas palavras sobre ela. Não vou entrar no meu tema, em meu objeto de estudo, pois é muito específico; vou falar um pouco sobre a situação – a banca – pois acho que seria mais útil para quem vai passar por isso. Outra coisa: nos textos sobre pesquisa do blog, tento ser o mais superficial possível, pois o blog é dedicado para pessoas que cursam pós (não apenas), e sei que quem está nessa, se já passou do primeiro ano, está cansado. E também para mim o blog é uma fuga da pesquisa, um lugar para eu arejar minha cabeça – por isso o tom ameno e anti-acadêmico deste espaço.

A banca foi escolhida um mês e meio antes. Deixei a escolha nas mãos de meu orientador – confio nele, estamos no mesmo barco, o trabalho de pesquisa é conjunto. A banca formada por pessoas que já conhecia, ajudou e muito, pois a coisa ficou menos formal. Minha apresentação durou vinte minutos. Esse é o tempo mínimo; decidi que a apresentação seria rápida, pois eu fiz quase que um relatório dos conceitos que estou trabalhando, o que poderia se tornar chato se eu me estendesse.

Desde a preparação não tinha gostado do que eu iria apresentar. Parecia um empobrecimento do meu texto. Também foi sugerido para que eu fosse além do texto da qualificação. Fiz isso em parte, pois esperava a banca pra pensar no que fazer com a pesquisa – e principalmente estava muito cansado, usei boa parte do mês entre a entrega do texto e da banca para descansar. Quanto a isso – descansar – acho que merece um post extenso, pois para mim é cada vez mais importante.

Os dois membros falaram e muito. Foi um pouco difícil os ouvir, estava nervoso, estava sendo examinado. Anotei o que pude anotar. Me passaram a palavra e decidi ficar mais em silêncio. Acho que ouvir, ser cauteloso, falar na hora certa, o que já disse em outro post, é muito importante em uma situação como essa; no entanto, se isso vira uma exigência, não posso dizer que seja algo positivo.

A banca trouxe contribuições ricas, algumas coisas ficaram no ar, pois foi tudo muito em excesso, muita informação, difícil de apreender tudo. Bem, mas recapitulando: devo ser mais rigoroso, muita coisa está verde. Alguns conceitos não estão claros, ou correm o risco de serem confundidos com o senso comum. Exemplo: estou trabalhando com o conceito de democracia. Não a democracia do Estado, a democracia que conhecemos, mas democracia especial dos muitos, imanente, que impede a soberania, não excludente, que para mim é atualizada em níveis menores, em certos ambientes midiáticos. Democracia de singularidades que agem em comum, mas que não perdem suas especificidades. O problema é que democracia é conceito naturalizado, que faz parte do senso comum. O discurso de inclusão é corrente na boca de políticos, da mídia. É importante eu escapar disso.

Agora estou vendo o que vou aproveitar. Isso vai ser formalizado na minha próxima reunião de orientação. Infelizmente não vou aproveitar todas as sugestões. Mas como tinha citado em outro post, a banca serve como uma ponta pé na pesquisa. Pensava que tudo estava claro, só que agora vejo que tem muito mais trabalho a ser feito; o saco é recomeçar. Por fim, a qualificação não é bicho de sete cabeças; com um grupo de pessoas com certa afinidade a coisa é tranqüila. Dificilmente alguém não passa pela qualificação. Se trabalha e muito com o orientador, ele não deixaria as coisas a deriva.

Fica a dúvida da validade da banca de qualificação. Em outros programas de pós ela não é mais exigida. No meu caso, para mim teria sido melhor excluir a apresentação; acho que isso é mais formalidade. Uma reunião com a banca, a troca de idéias diretas sobre o futuro da pesquisa, mais algo em formato de texto como sugestões, talvez fosse mais útil. Talvez mais pesquisadores analisando e sugerindo fosse interessante. Ou até mesmo uma análise conjunta com colegas de linha de pesquisa ou mesmo de mestrado e doutorado. A estrutura da academia às vezes pode ser antiquada, certas instituições têm dificuldade em se adaptar às mudanças de paradigmas. Mas todo mundo sabe que muitas cabeças pensam melhor que duas – banca –, três – mais o orientador – ou quatro – mais o cara examinado.

domingo, 11 de julho de 2010

o poder sobre a pesquisa

É interessante a estrutura do mestrado: projeto, entrevista-banca de ingresso, disciplinas, orientação, grupo de pesquisa, qualificação, defesa da dissertação – tudo isso oficial, mas se passa outras coisas nos corredores, no bar, no café, mas isso eu deixo para outro post. O começo dessa parte formal é o projeto inicial, que depois vai sendo filtrado, formatado por todos outros passos do processo. Mas o projeto e quem o fez não podem ser separados; assim o mestrando vai sendo formatado, recuperado aos poucos, com o objetivo de se tornar mestre ou um futuro pesquisador – este último caso mais para quem tiver saco, tempo ou grana para fazer doutorado.

Entrei no mestrado com uma vaga idéia do que queria pesquisar, alguma noção mínima sobre o campo da comunicação e sobre a estrutura do curso. Isso foi há pouco tempo, bem pouco, e já estou me organizando para o exame final: a dissertação. A muito que ser pensado sobre todo o processo: por isso esse blog; ele deveria servir para me ajudar a pensar sobre o que está acontecendo.

Quando eu falo em ser formatado, recuperado, sobrecodificado, não estou usando metáforas fortes. Me sinto desde o início como se houvesse um bloco de vozes que dizem: pense de tal forma, faça isso - ou sendo menos radical: faça uma boa escolha. As disciplinas exemplificam isso. Já no primeiro dia vi que não estava na graduação. Os colegas não eram os mesmos; talvez todos já tivessem uma idéia do que os esperava, que não era brincadeira, que a coisa seria dura.

O corte entre professor e aluno era o mesmo. Diferente a relação entre eles. Sempre me mantive em silêncio em sala de aula, anotando tudo que era dito, prestando atenção em todos os detalhes – como todos os outros. Falava apenas quando pedido; e se você quer se tornar um mestre deve saber falar, e principalmente saber do que se fala. Muito diferente da graduação, na qual você pode falar e ficar na sala quando quiser.

Assim aprendi a ouvir e falar: o primeiro caso envolve respeito com quem fala, o professor. O segundo é um pouco mais complexo, pois se refere ao primeiro e a todo um jogo de postura, entonação; e esse falar é falar na hora certa, da forma certa. Isso é posto também em prática no grupo de pesquisa, e principalmente nas bancas.

“Ser cauteloso”, acho que seria a máxima do mestrado. Ser cauteloso, pois você está sendo examinado. Cada disciplina envolveu um texto final, um artigo. Um artigo não é crônica, ensaio, opinião. Você pode falar de qualquer coisa, mas da forma certa; ou melhor, você pode falar qualquer coisa que diga respeito ao seu campo de estudos. Foi fácil manter certa postura, não sei por qual razão. Talvez uma facilidade em ser assimilado; pois mesmo no trabalho de pesquisa até a banca de qualificação não foi difícil fazer as coisas como elas "devem" ser feitas.

Semana passada, a banca de qualificação foi mais um passo no meu aprendizado: ouvi receoso o que a banca disse, falei pouco, o necessário. Só que ali a coisa ficou um pouco mais complicada, acho: a exigência foi maior. Até o momento tive uma certa liberdade. A banca pediu mais rigor. Encontrei um amigo na saída da apresentação, ele me disse: “isso serve como um pontapé para a pesquisa”; "para" ou "na" pesquisa, veremos.

mais uma ocupação de canal de TV na Grécia

Estou organizando material sobre as manifestações libertárias na Grécia. Algumas coisas que estou postando aqui no blog já esfriaram, deixaram de ser noticia; no entanto, como esse tipo de informação não chega a nós pela grande mídia, considero isso válido. Poderiam me perguntar por qual razão estou dando atenção à política grega; respondo que as manifestações gregas ensinam que há possibilidade de determinados tipos de ações. Que a multidão é criativa, e resiste. Também, ser solidário com as questões da Grécia é ir de encontro a inimigo comum: a ordem mundial. O FMI e os Estados-nação dominantes impõem suas políticas não apenas a Grécia, mas a todo o mundo.

Segue abaixo vídeo de ocupação de canal de TV grego por grupo anarquista, em 14 de abril, durante noticiário noturno. O grupo era formado por 70 pessoas e objetivava se manifestar contra a prisão de seis camaradas acusados de terrorismo.


sábado, 10 de julho de 2010

ocupação de TV na Grécia

A notícia abaixo se refere às manifestações do povo grego contra as políticas impostas pelo governo e pelo FMI. O texto é sobre fato ocorrido no início de maio. Sei que não é mais "novidade"; mas trago esse texto para expor a criatividade do povo grego: ocupações de emissoras de rádio e TV, de prédios, ataques a bancos, e as greves gerais são constantes no país nos últimos meses. A tradução (livre) é minha de original que se encontra aqui.

Professores ocupam estação de TV estatal

No início de maio enquanto programa de notícias estava no ar, dezenas de professores entraram na sede da Estação de TV Estatal (ERT) em Atenas. Após o noticiário, o canal tinha planejado uma entrevista com o ministro da educação. Os professores exigiram sua presença no estúdio durante a entrevista do ministro, além da possibilidade de se exporem.

Enquanto as notícias estavam sendo apresentadas, barulhos e discussões foram ouvidos nos bastidores e a partir daí o programa foi suspenso. A polícia invadiu o prédio, atacando os professores.

Após negociações e mais violência policial, os manifestantes exigiram leitura de declaração ao vivo no canal de TV (veja o vídeo abaixo). Os professores são membros da União Nacional de Professores; sua declaração vai de encontro ao FMI e convida a todos (o povo grego) a participarem da greve geral (que ocorreu) em cinco de maio. Eles também criticam a nova lei do ministério da educação que irá reduzir a qualidade da educação pública gratuita e deixará milhares de professores desempregados.

“[…] Nós decidimos vir aqui hoje, nos estúdios da estação de TV do governo, por duas razões; a primeira: por seis meses a grande mídia ficou em silêncio em relação às medidas econômicas do governo. Segundo, pois nós queremos quebrar o silêncio do ministério da educação sobre o pacote de leis que será votado e que destruirá a educação pública. Nós fomos recebidos dentro e fora do estúdio por um time de policiais prontos para nos agredir. Nós condenamos o ministério da educação e este canal de TV por essa agressão: vocês vêem que há evidências de violência contra nós. O governo impôs o programa de estabilidade, que enclausura mais de trinta estudantes em cada sala de aula e demite milhares de educadores. Tudo isso é arcaico e nos remete há outro tempo; vai de encontro com as necessidades e direitos da sociedade grega. Agride trabalhadores, estudantes e professores. O governo nos impõe a pagar pelo custo da educação. Após o pacote de leis nós seremos descartados. Pensávamos que éramos minoria, mas no tornamos maioria após a “ajuda” do FMI que resultará no aumento da pobreza e na demissão de milhares de trabalhadores. Chamamos todos para as ruas para bloquear as medidas econômicas, dar um pé na bunda do FMI e de todos aqueles que estão por trás de tudo isso. [...]”


sexta-feira, 9 de julho de 2010

por que fazer mestrado?

Bem, a idéia do blog surgiu de um desejo de compartilhar informações com quem está em situação parecida com a minha: cursando programa de pós-graduação, ou quem quer fazer mestrado. O que realmente me motivou a criar o blog, foi o trabalho de algumas pessoas que fizeram o mesmo, compartilharam na internet, textos, fichas de leitura, o que me ajudou, e muito, na minha pesquisa.

O objetivo do blog, como diz o título, no momento, é noticiar resistências, principalmente as contemporâneas, e expor meu trajeto no mestrado – as “outras coisas” irão surgindo com o tempo. A primeira postagem, a anterior, foi sobre a política das ruas que está acontecendo na Grécia; já neste post vou falar um pouco sobre a minha pesquisa.

Gostaria de falar sobre a razão de eu ter me metido nessa história de mestrado. Há uma exigência crescente na sociedade pós-moderna. A gente trabalha cada vez mais, estuda cada vez mais. Estamos sempre trabalhando, nos aperfeiçoando. somos disciplinados continuamente, controlados. O motivo mais importante é a possibilidade de conseguir um emprego melhor. Deixando essa obviedade de lado, eu me meti nessa para trabalhar com certos autores, que para mim são muito importantes, não apenas para o meu trajeto como pesquisador, mas também para minha vida.

Esses autores – Antonio Negri e Michael Hardt – têm relação com a vida muito especial, buscam mapear formas de resistência, subjetivas, políticas, econômicas, sociais, etc. Trabalhando com eles, me alio a seu tipo de resistência, e as resistências que eles se aliaram: a multidão.

Considero-os importantes para minha carreira de pesquisador, pois será difícil trabalhar com outros teóricos, possivelmente minhas próximas pesquisas serão condicionadas por eles. Importantes para minha vida, pois em seu estudo muita coisa mudou na forma como encaro o mundo.

Pela centralidade de Negri e Hardt talvez meu desejo se concretizasse se eu estivesse fazendo uma pesquisa puramente teórica. Cogitei essa possibilidade, no entanto, pela natureza do programa que me inscrevi, o da comunicação da Unisinos, fui levado a ter como objeto de estudo, também processos midiáticos.

Os apaixonados pelo campo da comunicação, ao lerem isso possivelmente ficarão indignados, mas isso não deveria ser tão assustador assim: os pesquisadores do campo da comunicação que tratam das resistências – midiáticas – em boa parte usam como referência Negri e Hardt. E como o espaço deste blog não é acadêmico, e posso opinar, eu diria que qualquer pesquisa que trate da potência da vida, da política das ruas, não dos gabinetes, passaria por apropriações de Negri e Hardt, e de outros aliados seus como Deleuze-Guattari e Foucault.

Considerando a impossibilidade de pesquisa centrada nesses teóricos, decidi ter como objeto de estudo resistências midiatizadas. Não entrando diretamente no meu objeto, não estou a fim de falar agora sobre ele, o objetivo da pesquisa seria algo como: mapear as apropriações midiáticas feitas por grupos de resistência contemporâneos, como eles criam lógicas que diferem das lógicas das grandes mídias. Negri e Hardt me possibilitam a conceituação das resistências, a Multidão.

Passei por inúmeros testes, exames, como as disciplinas, a orientação, e esta semana a banca de qualificação. E minha sugestão de agenciar com esses autores foi aceita – ou seja, estou mais integrado no campo do que penso. Finalizo aqui essas palavras sobre um de meus objetivos no mestrado, tenho outros é claro, falo sobre eles depois.

domingo, 4 de julho de 2010

política das ruas: Grécia

Nos últimos meses, estamos recebendo informações sobre a situação da Grécia: o país está em crise, e a EU está impondo políticas de redução de gastos. A solução encontrada foi cortar salários e benefícios dos trabalhadores. Isso está gerando uma onda de greves gerais. Temos conhecimentos destas no Brasil pela grande mídia. No entanto sabemos que o seu discurso trata do que interessa a ela: a política que acontece na rua ou é deixada de lado, ou é exposta para vender, seu lado violento.

No início de maio deste ano, em greve geral na Grécia, um grupo de anarquistas pôs fogo em um banco ocasionando em três mortes. Sabemos das mortes, pois foram relatadas pela mídia; porém nada sabemos desse grupo. Indo na contramão desses relatos, gostaria de falar sobre esse acontecimento e de mais um outro: ambos manifestações políticas gregas que não ocorrem nos gabinetes do governo, que são desprezadas em sua singularidade.

Sobre as mortes três fatos foram desconsiderados pelos meios de comunicação de massa: 1. Segundo relato de quem vive a situação do país, bancos são alvos de anarquistas em quase todas as grandes manifestações gregas. Lá isso todos sabem. 2. A gerência do banco impediu que os trabalhadores fossem para as ruas se juntar aos seus. 3. O banco não tinha segurança suficiente em caso de incêndio. Resultado: as três mortes, e um bloco de notícias sensacionalistas. Assim temos conhecimento desses que lutam por outra realidade como subgrupo com tendências homicidas, e só – algo parecido aconteceu no Canadá na reunião do G-20: os garotos do Black Block colocaram fogo em automóveis, queriam fazer bagunça, merecem ser punidos.

Entretanto outro fato não foi relatado aqui no Brasil, que expõe a criatividade dos anarquistas gregos. Um grupo entrou em um supermercado grego, talvez uns vinte, homens e mulheres, um deles com uma câmera de vídeo que permitiu as imagens que foram postadas em alguns sites. Avisaram que estavam fazendo uma expropriação e que não haveria violência. O grupo destruiu as câmeras de segurança, pegou o que podia – em boa parte alimentos – e todo o dinheiro do caixa. Na rua colocaram fogo no dinheiro e se foram. Em relato dos participantes da expropriação é dito que eles não distribuíram a comida e o dinheiro, pois não queriam que a mídia os tratasse como uma vanguarda, como Robin Hoods, o que já estava acontecendo na Grécia. Os ladrões que roubam dos ricos para dar aos pobres podem virar notícia. Aqueles que lutam por outra realidade, são bandidos. Pois essa realidade é mantida e desejada pela grande mídia.

Faço algumas perguntas: qual o motivo do silêncio das mídias? Elas não entendem o que está acontecendo? O que não é oficial não é noticia? Esse tipo de acontecimento não pode ser exposto, pois pode ocasionar em outros da mesma ordem? Talvez tudo isso. Finalizo aqui, deixando as imagens da expropriação abaixo.