sexta-feira, 8 de abril de 2011

o discurso moralista do jornal Zero Hora

Saiu uma matéria no jornal mais famoso do RS, Zero Hora, sobre uma rua da cidade de Porto Alegre, a Lima e Silva. No texto é dito que a rua estaria sendo invadida, principalmente aos domingos, por uma horda de jovens que a tornam um “antro” de sexo, drogas, e outras coisas: sexo em banheiros de estabelecimentos comerciais, uso de drogas nas calçadas, agressão aos moradores.

Primeiro não se sabe o quanto verdadeiro é o relato do jornal. Expõe apenas o ponto de vista daqueles que são afetados pelo sucesso da rua (se tornou, nos últimos anos, “o local” da noite da cidade): os moradores (os poucos que não usufruem da rua para diversão, pois pela proximidade com a UFRGS boa parte dos moradores é jovem) e os comerciantes que veem seus estabelecimentos serem invadidos por uma turma que consome pouco e faz muito barulho.

Os donos de bares não serviram como fonte na matéria, mas sim o representante do Guion, o dono de uma livraria, o gerente de supermercado. Estes mais os moradores são aqueles que lucravam com a Lima e Silva quando ela era mais tradicional, uma rua familiar.


A Zero Hora é um jornal família, para as famílias de classe média, estas gostam de uma vida calma, sem barulhos, o jornal assim as representa. Por isso o jornal é conservador, defende algo como “a moral e os bons costumes”. O mais interessante é que os jovens que se drogam e transam em banheiros são os filhos dessa classe média.

O jornal postou fotos com legendas do tipo: “sem limites”. A maior parte era de garotos e garotas se beijando. As fotos estavam desfocadas. Uma foto era de um guri deitado no chão, provavelmente bêbado. Nada de mais, o que choca no texto é o tom alarmista, careta.

E se rola lá sexo em qualquer lugar e se todo mundo se droga? Talvez seja verdade. Minha hipótese é que os jovens fazem isso como resistência exatamente a esse discurso e essa vida criados pelos meios conservadores, a classe média, papai e mamãe. Volta e meia alguém fala da “adultificação precoce das crianças”; mas a questão é exatamente o contrário, da infantilização prolongada.

Tentam punir e vigiar os jovens, impedindo o mínimo de autonomia. Eles não podem beber, não podem entrar em festas, não podem se divertir. Tentam tornar o mundo da juventude algo sufocante: eles deveriam estar em casa com papai e mamãe, como a criança está.

O emprego que oferecem para eles é precário, impossível ter autonomia financeira para sair de casa e fazer a vida. Autonomia intelectual também é difícil, considerando que impõem uma educação idiotizante, não lhes dão alternativas. A saída é se agarrar no que é mais fácil para criar um mundinho: ser punk, emo, metal, hip hop, ou fazer parte de guetos relacionados a sexualidade. Quanto à droga que atravessa todos esses segmentos, é a possibilidade de liberdade, pelo menos até o barato acabar ou até bater a ressaca.

Pelo discurso da Zero Hora parece que a Oswaldo Aranha foi transferida para a Lima e Silva. Creio que parte dela, a outra parte é tão nova que provavelmente nunca ouviu falar sobre o antigo ponto underground da cidade. Na monografia fiz uma etnografia da rua. Os fatos que narrei são muito, mas muito mais radicais que os narrados pelo jornal. A Oswaldo era um ponto em que a vida pequeno burguesa era implodida: sexo, drogas, violência corriam soltos.

E não importa se era bom ou ruim, e se hoje na Lima e Silva isso é bom ou ruim, mas o que motiva os jovens: a fuga das disciplinas, a busca de autonomia, construir um mundo, resistir, essa é a única forma que encontraram para lutar contra aqueles que lutam contra eles, seus pais e a Zero Hora, os seus verdadeiros inimigos.

As drogas e o sexo são os seus aliados. Estão sempre ali, prontos para os acolher. Eles não têm limites, dizem as legendas. Essa é a real, eles estão cheios dos limites, dessa vida de todo mundo que constroem para eles.

Passaram mais de uma década trancados em casa. Vivendo como refugiados. E ainda dizem que ser criança é ser feliz, mas não há nada mais triste que ser um refugiado, um prisioneiro político, o que as crianças são, como disse Godard.

Quando o corpo fica mais forte e a cabeça começa a funcionar, o jovem diz: quero minha vida, uma vida singular, e faz ela, uma vida não muito rica: um visual, uma relação com a sexualidade mais livre, sem complicações, novas percepções permitidas pela droga, uma semiótica gestual andrógina, um discurso não legitimado. Deleuze que repetia: fugir, mas na fuga procurar uma arma. Os jovens traçam sua linha de fuga, e essas são suas armas.

Mas por qual razão isso é tão diferente da semiótica, do regime de signos, dos adultos? O mundinho dos jovens marca o limite: nós não queremos ser como vocês. E a vidinha tradicional da família e o discurso da Zero Hora não aceitam isso. Eles dizem: sejam como nós, ou melhor, sejam quem nós queremos que vocês sejam. Sejam nossos prisioneiros. Não cresçam, fiquem em casa, pulem a adolescência. O cidadão perfeito, o bom filho, seria aquele que sai da infância direto para o casamento, para a vida dos pais.

Parece que estou falando de conflito entre gerações, mas a questão é geográfica, de território: um careta, o território legitimado, de papai e mamãe; o dos jovens parte de desterritorialização do território careta que é re-territorializada num mundinho mais próximo do devir: devir-drogado (demora muito tempo para se tornar um drogado como estado), devir-homossexual (eles experimentam a sexualidade que vai ganhar forma bem depois), devir-marginal (são marginais relativos).

Aí sim a juventude se torna um entre dois de um discurso não redundante, sem clichês, um entre dois estados duros que se complementam: a infância e a vida adulta. Esse entre dois é preenchido por devires especiais, mas também por microfascismos: o ódio entre grupos, punks contra emos, metals contra punks, skatistas contra surfistas, black metals contra todos, bandinhos territorializados em palavras de ordem e violência.


E as drogas e o sexo como símbolos de libertação podem virar linhas de fuga mortíferas, vício, overdose, prisão, AIDS, gravidez. Mas isso faz parte da experimentação. Com toda sua dor e alegria. Mundinho que parece ser pequeninho, com alguns momentos de brilho, mas mais que isso não é possível, e essa impossibilidade não é culpa deles.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

pela molarização das mídias moleculares

A partir da experiência no mestrado em comunicação na Unisinos cheguei a outra conclusão: o mais comum no campo são estudos críticos sobre a mídia dominante. Praticamente todos os textos que estudei para as disciplinas no mestrado eram desse tipo. Bem, não vou dizer que isso é negativo, quanto mais críticos melhor, ainda mais dessa máquina que legitima o poder. No entanto o problema é que isso pode levar a desconsideração da produção de mídias feita pela multidão.

A falta de estudos das mídias de multidão se dá por algumas razões: a mídia tradicional é a mais conhecida, faz parte de nossas vidas, não há fora das mídias dominantes, e elas são molares, legitimadas, bem formadas – atirar nelas é fácil, o alvo é muito bem visto. As mídias que a multidão produz são moleculares, sem forma definida, estão em devir, experimentam um devir-midiático, suas atualizações são monstruosas – capturá-las exige um método.


Falar nas mídias molares é expor seu poder, o biopoder, o poder sobre a vida, a captura do simbólico, a manutenção da ordem, falar nelas é falar na sociedade de controle, no Império; daí a importância dessa crítica, que é centrada em algo negativo.

Falar das mídias moleculares é falar na multidão, em sua biopolítica, na potência, na vida que constrói vida, ou seja, na positividade; no entanto é falar também nas mídias molares, pois as mídias de multidão surgem exatamente como resistências às mídias dominantes; como diz Peter Pelbart: contra o poder sobre a vida deve se insurgir o poder da vida. É, portanto um objeto de estudo mais completo, como também mais aberto a um campo de possíveis.

Mas devemos perguntar o que são mídias de resistência, da multidão. Há uma resistência mais direta que diz respeito a coletivos (que misturam política, mídias, arte, etc); às redes de resistência baseadas na internet, como o movimento Zapatista; aos hacker-ativistas que sabotam websites de governo ou de corporações e funcionam apenas no ciberespaço. Também os grupos de resistência do movimento por outra globalização fazem sua mídia, têm seus sites, e se re-apropriam de canais como facebook, twitter, blogs.

No entanto a web 2.0, a web colaborativa, já nasce na resistência. A web 2.0 é segundo momento da web e diz respeito à disseminação de produtos feitos por redes de colaboração de usuários da internet: os blogs, wikis, os softwares livres, o jornalismo participativo, as redes sociais, o youtube.

A expansão dessas mídias “das” massas (expressão usada por Malini) acontece pelo descrédito em relação às mídias hegemônicas. A multidão reconhecendo o lucro como finalidade dos meios “de” massa, sua parcialidade, o poder dos monopólios, produz sua própria mídia, alavancada pelo acesso a todos da internet, tornando a sugestão de Jello Biafra “não odeie a mídia, torne-se ela” realidade.

No entanto a web 2.0 é espaço de conflito entre a produção que extrapola as mídias dominantes e os discursos redundantes que emergem das mesmas.

Sobre a teorização das mídias que são puramente de resistência, no Brasil temos duas linhas igualmente importantes: 1. Trabalhos acadêmicos que são tentativas de produção de teoria minoritária no campo de estudos. 2. Teorias produzidas por coletivos ou indivíduos com afinidade direta com esse tipo de resistência - que criam território no qual teoria e ativismo não são identificáveis como unidades isoladas - e que não estão vinculados ao mundo acadêmico. Temos como exemplo deste último grupo, no Brasil, o trabalho de Ricardo Rosas, o extinto site Rizoma, algumas publicações da editora Conrad.

Percebemos assim um duplo devir, teórico e midiático, que está sendo atualizado. A função dos teóricos de mídia seria a de molarizar esses campos de possíveis, dar forma, definir seus contornos, sem estancar suas potencialidades.

sábado, 2 de abril de 2011

o caso Bolsonaro

A mídia conservadora está dando atenção para o caso do Bolsonaro; esse cara com, no mínimo, sérios problemas mentais. No entanto, parece que o mais importante tem ficado de lado; a mídia não está fazendo a defesa dos homossexuais, mas apenas dos negros. Parece que ainda é normal temer a homossexualidade: “nossa e se for com nossos filhos?”, “será que sou uma bicha enrustida?”.

Mas como os negros são recuperados os homossexuais também. Ivana Bentes diz que parte da mídia faz sua captura das minorias; o mais comum em programas de diversão, o tom conservador fica com o jornalismo.

Tenho recebido petições contra o Bolsonaro. Já vi manifestações on line. Só que acho que isso é uma luta contra um inimigo quase invisível. Caras como o Bolsonaro são minoria. A mídia está do lado desses que querem a cabeça do militar. Ela não aceita radicalismos. E por isso é perigosa.


A mídia com esse discurso pode marginalizar as resistências que buscam uma radicalização da democracia. Estando do lado dos moderados, conserva, legitima a ordem. Tudo em nome de uma democracia falsa. Esse é o paradoxo do discurso dominante da mídia, e também seu álibi; faz parecer que luta pelo estado de direito.

Porém Negri diz que todos os governos do ocidente são corruptos, pois corromperam o conceito de democracia. As únicas opções que nos dão contra essa democracia falsa se referem a formas de governo arcaicos. Contra a democracia representativa está o autoritarismo. As outras opções, os movimentos de multidão, não existem.