domingo, 23 de outubro de 2016

CFC - crônicas fora de controle

Prazer e dor ou outra história  

Sempre pensei que a história do cara que cheira coca é de fugir da frita, do repé, da ruim, do fim do pó. O cara começa a cheirar e daí faz o possível pra não parar; fica uma semana acordado até acabar ou o corpo parar. Daí desmaia por três dias, mal na cama, fritando, suor lá em cima, ressaca moral e um monte de merda. Daí tem o lado bom, o pico do pó; o lado ruim é o pico da dor da falta do pó. Mas acho que seria legal sair das oposições, das piores, bom e mal, prazer e dor, e pensar que isso faz parte do território do pó. O território: o cara junta o máximo de grana de alguma forma, como está só na fissura, só muito a fim, junta uma grana de forma legal, ou se for ilegal, faz algo bem pensado. De repente, pega no morro um quarto de fumo e combina com o patrão que paga depois. O cara pega o fumo, faz as parangas e vende rápido pros amigos (em outro caso, se  o cara só fuma maconha, pega metade pra consumo próprio, com o resto faz a grana do patrão e sobra mais uma boa grana), paga o patrão e fica com uma grana boa pro brilho, tipo mais que dobra a mão. Mas trafiquinho é uma opção, ele pode passar algum lance, sempre tem algo pra vender em casa; pode fazer um roubo bem pensado, algum equipamento eletrônico dum vizinho. Pega o pó. Se dá sorte pega com alguém que recém recebeu e que tá vendendo ainda com bom preço. No caso, penso no cara que não passa o pó, ou se passar, vai ser pouco, penso mais no cara que acha que tráfico de pó é meio roubada. Pega o pó e faz a mão. O pó vai acabar uma hora. Ainda mais cheio de pó, vai acabar liberando pras minas, pros manos, de repente, vai acabar liberando até pros malas. E esse pó vai acabar e o lance é não deixar acabar. Como falava, pode ser a fuga da dor, mas pode não ser só isso, porque quanto mais cheirar, mais dor vai ter depois. O pó vai acabar. Antes das últimas carreiras já pensa: quero mais e não tenho grana. Vai ter que fazer grana de forma ilícita, mas de forma alguma quer ser preso, muito menos por coisa pesada. Possibilidades: vender fumo vai demorar muito. Pedir arrego pro patrão, certamente já fez isso e tá fugindo dele. Vender algo, trocar algo por mais pó, já foi tudo. Provavelmente, tá queimado para pedir empréstimo pros pais e nenhum dos amigos vai emprestar, porque tão juntando grana pra fazer a própria mão. Uma boa é saber o número dos cartões dos velhos, o que já deve saber. Roubo: de repente um som de carro. Algo na casa dos vizinhos. Atacar alguém na rua. Simular um michê com algum veado e roubar o cara. Fazer um michê. Daí pega mais pó. E a história continua. Quando acabar e sempre acaba, vai pra cama. Toma Valium, fuma um e daí o resto é o pesadelo. Só que o que parece que é oposto é muito próximo, falta e barato da droga. Talvez sejam a mesma coisa. A cabeça que funciona sem parar nos dois casos. A fala contínua no uso; na falta, a cabeça continua, mas sem o outro pra exteriorizar.  As ações que fogem daquilo que se faria normalmente, no uso. Na falta, a impossibilidade da ação, os pensamentos delirantes, fora do normal. O corpo que sua, treme, mesma coisa nos dois casos. E como dizia um cheirador: uma semana cheirado só vale se a gente sofre na cama depois uns três dias. Faz parte.

Relação diferente com o corpo

Acho que nos últimos anos é cada vez mais fácil parar de fumar do que continuar fumando. A mídia, a área da saúde mais os psis, a indústria do corpo com as academias, as pessoas comuns, Estado com suas leis e etc.; tudo isso serve como uma rede de terapia em massa. Pra quem quer parar de fumar e entrar na onda, beleza. Pra quem quer resistir, esse se fode. Mas tudo muito bonito, em nome da saúde, da gorda saúde dominante.  O cara que fuma sabe que vai trocar alguns anos de vida por décadas daquilo que o cigarro permite. Já que uma doença grave, tipo câncer, avc, aparece só na velhice, ou se o cara tiver azar de já ter tendência pra certos tipos de doenças. Mas e daí, vale a pena uma morte talvez bem dolorosa, menos tempo de vida, pelo que o cigarro proporciona?   Acho que o prazer é o mesmo pra todos, talvez... Fumo principalmente como estimulante: café, cigarro e computador pra mim criam uma combinação perfeita. Me sinto bem sempre em saber que vou poder fumar o próximo cigarro. Isso que interessa, né? O próximo cigarro. Decidi continuar fumando após anos de pressão de todos os lados e dentro de mim. Uma época não conseguia nem ver certos programas de Tv, rádio ou ler certas matérias que tratavam do tema. Sentia o câncer virtual dentro de mim.  Em três momentos cheguei a agendar uma data pra parar. Mas uma hora decidi dizer: foda-se! Fico com o crivo. Se isso me der um final de vida mais doloroso, bem, isso pode acontecer com todos. E provavelmente morfina e heroína vão continuar existindo, ou drogas mais pesadas vão existir, o que já dá uns anos de alívio. E no caso de avc, que deve ser um lance foda pelas sequelas, eutanásia caseira sempre é uma saída.  E na real, acho legal pôr a ideia de saúde em jogo, tirar a doença do espaço marginal, ou mais, colocar em termos de desejo: desejo da enfermidade, pôr a doença como possibilidade até de alegria, ou mesmo a morte; tirar as associações negativas. De repente, uma relação diferente com o corpo, uma relação existencial diferente, dessa existência que criam para todos. Interessante que o padre sempre diz: “mas você fuma, você não tem amor pela vida”. Só que viver uma vida construída por algo que vem de cima (poder), que funciona para acabar com a vida (apropriá-la), é amor pela vida? Claro que fumar não é uma grande solução, mas a gente faz o que dá.  Ouvi de um cara da saúde num programa de TV: “as pessoas não têm direito ao cigarro somente à saúde”, ele disse isso em rede nacional. Mas daí comecei a dar mais atenção às pessoas ao meu redor quando estou fumando, e o que acontece é a reprodução (só que mais chata) do mesmo tipo de discurso fascista.  


A tradição romântica da arte

As experimentações de Willian Burroughs – o escritor mais radical da geração Beat – eram com as drogas. Droga como possibilidade de fuga do pensamento tradicional, do corpo normalizado, dos afetos dominantes. Não só droga, como os outros beats, junto disso a estrada.  Estrada e droga, só que isso não garante muita coisa. Tipo viagens turísticas que só o corpo se desloca, a mente continua a mesma. A droga como imbecilização, como dizia o velho punk: o que aprendemos com Sid Vicious[1] é que ninguém precisa de talento pra se drogar.  Só que a droga e a estrada dos beats, com toda a sua dor e alegria, com todas as merdas... Bem, sobre isso, a gente pode falar em transcendência. Outro elemento que vem junto da droga e da estrada na tradição marginal da arte, é a pobreza: Artaud, Rimbaud, Wilde, Baudelaire, De Quincey. A crítica literária fala sempre do desregramento dos sentidos, mas isso e a vagabundagem da estrada estão ligados a uma pobreza espontânea. Pobreza que na real é autonomia e não a prisão da falta. O drogado que desiste de tudo, até dos bens, pela droga. Largar tudo e cair na estrada. E a pobreza produz riqueza, se sairmos do senso comum. Privação, dor, fome, tudo isso fez parte do caminho seguido por esses caras e outros. Tipo Bukowski, um beat solitário. O cara era meio reacionário de direita; só que, na real, ele tinha um inconformismo com a geração do paz e amor. Importante que ele segue essa tradição: pagar por algumas noites por um barraco de papelão em alguma cidade qualquer dos EUA, bêbado e com fome, e buscar um pouco de luz pra escrever alguma coisa. Ou seu mentor, Fante, que se alimentava apenas de frutas colhidas, não trabalhar (vagabundear) pra ter tempo de escrever. Burroughs no Tanger, em seu estado terminal da heroína, esperando que alguém morra em sua frente pra roubar sua carteira e ter grana pra se drogar; e tempos depois descobrir rascunhos dessa época que nem se lembrava de ter escrito. Só que tudo isso ainda preso no sujeito, o gênio moderno, criador. Mas o próximo passo é quando os beats se tornam referência de massa, com a contracultura. Daí, droga, estrada, pobreza espontânea viram uma possibilidade pra mais gente, pela difusão do estilo de vida. Hoje a gente vê algo parecido nos movimentos de okupação de praças. Algo que deve ser pensado.


 Prostituição

Sobre a prostituição, seria legal pensar nela como potência, não como impotência, vergonha. Impotência é mais que real: exclusão, marginalidade criadas pelas significações dominantes. Ou mesmo, prostituição como fantasma: as minas que se sentem putas quando transam. E daí elas misturam vergonha, desejo escondido, tudo negativo. Quanto à potência, ela não é a imitação da prostituição: a mina que dá pro cara já que ele lhe deu um presente caro. Seria um mundo melhor se a prostituição fosse mais uma das cores da vida, e se faltasse essa cor no mundo, no caso, esse mundo melhor, ele seria menos vivo. Se fosse assim.

Laranja Mecânica

Cena inicial: a gangue de Alex (personagem principal) e ele, eles tomam “leite com facas”, um tipo de droga pesadíssima. Estão sentados, olhando pra câmera. Olhar fixo de chapados. O som de fundo, um órgão com alguma música de Beethoven. A câmera vai abrindo aos poucos. A primeira metade do filme o torna o que é: uma grande obra; só que da libertação de Alex da prisão, no meio do filme, até um poucos antes do final é moralista. Nesse tempo, Alex paga pelos pecados. Já o final é um final feliz, mas diferente desses de filmes ruins: a felicidade de um psicopata.  Depois de se dar mal, pode voltar a agir como um monstro.  A história do filme: Alex tem menos de 18. Toma drogas pra ficar violento. Em uma noite, espanca uma gangue rival; quase mata um velho mendigo com seus amigos; estupra uma jovem esposa de 30 anos. No fim, bebe mais leite, vai pra casa e meio que adormece ouvindo Beethoven. Tem sonhos com assassinatos. Em seu quarto toda uma riqueza de signos: escultura de cristo dançando; uma cobra de verdade; quadros de mulheres nuas de pop arte. No meio do filme, mata uma mulher, é traído pelos companheiros, pega 14 anos de prisão. Na prisão, entra em um programa de condicionamento. Vê filmes de violência e impõem a ele doses de uma droga terrível, ao fundo a música de Beethoven que mais gostava, a Nona Sinfonia. Fica condicionado. Sempre que pensa em agir violentamente ou ouve a música, sente que vai morrer, uma dor terrível. Até aí ok, mas depois, como disse, o filme fica chato, Alex paga o preço. Encontra todos que abusou com violência, e quase morre. No fim do filme, o Estado o acolhe, e ele se liberta do condicionamento. Eu não havia falado da violência sádica, no caso de Alex, por prazer. Violência pela violência. Legal que o Estado permite a violência de Alex. Isso tá mais evidente no livro do Anthony Burgess, que deu origem ao filme. No livro, uma hora ele acaba se cansando, como se a violência estivesse mais relacionada à juventude. Duas coisas importantes que estão relacionadas: violência e juventude.  Isso aparece nos movimentos de luta contra o sistema. Vemos a violência contra o Estado feita pelos jovens, só que violência legítima, a violência da revolução. Aparece como possibilidade aqui neste livro, algo como tentar uma escrita violenta; a partir da violência existente. Violentar o leitor, ou seus ideais, o que dá no mesmo. Um pouco de psicopatia talvez, frieza, meter o dos outros na reta e também o meu. O dos outros que está em mim, o que compartilho, ou seja, me violento. Uma coisa que não gosto em aula: falta paixão nas falas, reflexo da mesma falta nos textos. Nas assembleias dos movimentos de ocupação, já senti o ambiente aguado. Só que em Barcelona o pessoal tá realmente indignado. Ouvi algumas vezes, nos encontros do movimento, o pessoal falando de ação direta violenta, de forma apaixonada. E bem, os caras tão encarando a polícia de frente, diferente daqui do Brasil.     

Mulheres

Um amigo meu jovem, duns vinte e poucos anos. Tava numa fase bem aberta: drogas, loucuras, mulheres. Tava meio que namorando uma mina. Daí começou meio que namorar a melhor amiga dela. Ficava com as duas. É, tava ficando com as duas, e um dia, do nada, apareceu uma mina que ele meio que tinha namorado. Era verão, elas não tinham o que fazer nem ele e... bem, um dia ele diz que olhou pra sala e estavam as três conversando: duas de 18 e uma mais velha que ele. Sentiu que tava num transe, e de repente acordou com elas ali. Daí olhou pro outro lado da sala e estava uma mina que morava com ele. Dormia na cama com ele, os dois abraçados. Ele transava com todas elas, uma de cada vez, enquanto as outras faziam sei lá o que. O cara não era bonito, também não era feio. Não era burro, mas também meio pateta pra ser inteligente. Podia só fingir que tinha lido. E o cara não era nenhum grande amante. Na real, o cara era filha da puta. E as garotas eram bonitinhas, a mais nova, a mais bonita virou namorada fixa. Ele não se preocupou com preservativos com elas. Quando a festa acabou, ele pensou: me fodi, vou ser pai de quatro crianças direto, tô fodido; mais, aids na certa. Só que elas se cuidavam, ele que não. Eram todas meio caretinhas, deixaram de ser com ele. Mesmo assim, ele tava meio noiado com tudo e conta que o fantasma da aids meio que pegou ele por um tempo. Meio foda, delírios e tudo mais. No fim, tava tudo bem.  Só que ele pensou na loucura: talvez fosse bom, de repente, nós cinco com aids, uma família decadente feliz. Dessas dos adesivos dos carros: tipo cinco lacinhos vermelhos.   

Sono

 Muito puto porque em algumas noites peguei umas gatinhas caídas. Daí, durmo muito no fim de semana, e travo na terça. Fico dois dias sem dormir. Daí uma amiga me liga dizendo que tá com uma doença de merda. Isso me deixou fodido pacas. Primeira crise existencial do semestre. Um saco; muita noia. E por aí vai. Daí, decidi ficar mais em casa, o que acentuou tudo, meti solidão no meio. Como não dormi até agora, fiz um café bem forte. Nove da manhã. A vizinha do andar de baixo vai tomar banho. E eu aqui escrevendo. Como dizia: aproveitar o que tá rolando. Mesmo que me leve bem pra baixo.    

Cinema Strange

Viajo todos os dias pra Novo Hamburgo de carro. Cidade que fica a 50 quilômetros de Porto Alegre.  Gosto de dirigir, é quando ouço um som. Não ouço em casa, só no carro e em festa. Notei um dia que já fazia um tempo que tava ouvindo só um disco duma banda. Uma banda bem estranha, Cinema Strange. Tão estranha que demorou um tempo pra eu conseguir ouvi-la de verdade. Eu sabia que a banda era boa. Faz parte dum segmento que me interessa: death rock. Um tipo de som gótico, meio puxado pro punk ou pro metal. Então, gostava do segmento, tinha lido sobre a banda, mas não conseguia ouvir. Já em vídeo descia melhor. A banda era muito estranha no visual: moicanos, roupas rasgadas e coloridas. Especial o vocal: alto, magro, feio. Vestido com roupas de mulher. A cara com pasta d’água e batom. Uma cara de palhaço assassino. Na real, queria ver um show deles. Ou talvez, dançar numa festa. Só que ouvir no carro, era muito pra mim. O som era difícil de ouvir. Barulhento, sem melodia, nervoso. Mais, a voz do vocal não tem referência a outros vocalistas. Aguda, não humana. De mulher, de criança? Isso é o que mais me chamou a atenção. Daí, uma hora, notei que tava ouvindo direto no carro. Ouvi muito. Um momento, comecei a ouvir só duas músicas. Fiquei dias ouvindo as duas músicas, melhor, semanas. Não conseguia parar de ouvir. Ouvi esse som enquanto escrevia esse texto. Uma dose de loucura sonora pra compor a loucura textual. Som sem controle (do Cinema Strange, esquisitão), fazendo a trilha duma literatura que tenta ser descontrolada.  

Revivendo  

Fazia tempo que ele não cheirava. Fazia uns cinco anos. Tinha sido um bom cheirador por muito tempo. Parou porque mandaram ele  parar. Um monte de gente: namorada, pais, treinador, psicólogo, Polícia, pombos, ratos e mais um monte de chatos. Ok, parou, e parou mesmo. Cinco anos sem cheirar. Nesse tempo, virou o senhor bom cidadão. Virou um cara bom, um amor, o filhinho da mamãe, o esposinho que abre a porta. Olhava para o espelho e se sentia orgulhoso. Percebia como os outros olhavam pra ele e se sentia orgulhoso. Empinava a cabeça e estufava o peito não mais por causa do pó, mas pelo orgulho. Até os policiais quando passavam por ele, olhavam com admiração. Só que um dia apareceu um mano. O mano tava com a mão, não muito sabe, só umas cinquenta gramas de pó. E ele deu um teco. E depois outro, e depois outro. Quando viu tinha passado o final de semana e o pó tinha acabado. Daí, ele subiu o morro sozinho e pegou mais umas 20 gramas. Pegou um quarto de motel barato. Esticou umas belas carreiras. Se olhou no espelho e disse pra si mesmo: vou vender tudo que eu tenho. Vou comprar tudo em pó. Quando acabar o pó, vou me dar um tiro, e já era. Decidiu isso porque não queria ficar preso na rotina. É, a rotina do pó: conseguir grana, comprar, cheirar, depois ficar sem, ter que roubar pra ter mais. Incomodação demais. Então, não queria a rotina do pó e, muito menos, a rotina do bom cidadão, do filhinho da mamãe, do babaca que ama uma babaca. Vendeu tudo, comprou tudo em pó. Se enrolou com uma mina muito louca porque ela tinha um ap. Esticou as carreiras. Fez a festa. Uns três meses de festa. Pó, canha, sexo, brigas, grana pra Polícia, bares, putas, muitas pessoas, tudo a cem por hora. Ele sabia que se resolvesse não se matar, a ressaca seria tão grande que acabaria se matando. Ou seja, o tiro na cabeça já era certo. Tava na praia de Ipanema em Porto Alegre. Tava no carro. Não tinha vendido o carro porque pó e carro andam juntos. Tava na praia, tava com as últimas parangas de pó. Esticou uma carreira com tudo que tinha. Deu uma longa aspirada. Botou tudo pra dentro. Esperou o pó descer. Esperou o brilho começar a se apagar. Pegou a arma. Meteu na boca. E já era. Parte dois. Ele namorou-a por cinco anos. Ela meteu-o nos eixos. Fez ele parar de sair, de beber  e se drogar. Ele virou o caretão. E gostava disso. Dizia: agora eu sou um homem. Encarava de frente o pai, não ouvia mais o velho o chamar de “um imaturo que só faz merda”. Tomava cerveja apenas no almoço de domingo. Enchia a cara junto com o sogro. Depois via tv com toda a família da namorada. Viam o jogo de futebol todos bêbados. Ele era novo, tinha 28 anos, mas já se sentia um senhor. Falava sobre casamento. Falava sobre ter filhos. O pai ofereceu uma grana pra montar seu negócio e seguir em frente, fazer sua família. Montou uma empresa. Em pouco tempo, começou a dar dinheiro. Fez uma grana. Marcou o casamento. Todos estavam tão felizes. Ele podia se casar, tinha autonomia que nenhum amigo tinha. Uma semana antes do casamento ele disse: tô fora. Não quero mais me casar. O pai, a família dela, ela, todos ficaram loucos com ele. Mas ficou firme na posição. Primeira coisa que fez depois de toda a novela, foi num bar. Tomou todas com os velhos amigos. Fumou uns baseados, cheirou umas carreiras. Depois foram numa casa noturna. Pegou uma gatinha duns 20 anos. Levou-a pra casa. Transou com ela. Era a primeira transa em cinco anos com alguém diferente das ex-quase esposa. Transou com ela feito louco. Parecia uma transa que nunca tinha experimentado. A coisa foi demais. A partir daí, começou a sair direto. Na sexta, no sábado, no domingo. Em pouco tempo, voltou à ativa do pó, mas de uma forma diferente. Não tava viciado como já tinha sido. Durante a semana o negócio até ia bem. Trabalhava normalmente. Mas não passava um dia de trabalho sem que pensasse nas festas. Na real, pensava o dia todo nas gatinhas, nas drogas. Só que sabia que tinha que ser um lance eventual, senão ele não ia ter como se manter. Tinha que trabalhar. Era sexta, tava na noite. Rolou mais uma gatinha. Levou-a pra casa. Transou com ela. De manhã, ainda tava cheirando umas carreiras na sala, vendo tv. Ela dormia no quarto. Como disse, ele não tava viciado em pó, estava encarando de uma forma diferente o lance. Isso não era o mais importante. O que ele queria era a noite, a festa, com tudo que vem junto, sempre. Mas só tinha a opção da festa apenas no fim de semana. Sentia uma dor por dentro. Daí, decidiu o que fazer.  Vendeu tudo que tinha. Não falou pra ninguém. Vendeu o carro, móveis, o que era seu da empresa. Pegou toda a grana do banco. Foi pra Europa. Tinha grana suficiente pra fazer festa durante cinco meses direto; e fez. Curtiu. Se apaixonou por garotas, curtiu festas, usou drogas que nunca tinha usado. No fim, quando acabou a grana, comprou uma arma. Estava em um quarto dum ap que dividia com estrangeiros. Tomou uma garrafa de uísque.  Meteu a arma na boca, e já era.  





[1] Baixista da banda punk mais famosa dos anos 70, os Sex Pistols. Vicious criou fama principalmente por ser viciado em morfina e um péssimo instrumentista. 

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