Dia
de semana, fim da tarde; notei alguns caras – o que me pareciam guardadores –
em volta de dois carros. Notei que eles olhavam para dentro dos carros. Voltei
a escrever e no cigarro seguinte fui para sacada, e tive a sorte de ver os dois
carros, grandes, caros, serem abertos no mesmo momento; e mais, saíram no mesmo
momento. Obviamente, foram roubados por aqueles que estavam em volta deles. Mas
o mais importante, me perguntei se eu delataria uma ação desse tipo. Carros
caros, comprados por cidadãos de bem, gente próxima a mim, roubados por ladrões
de rua. Eu não tenho nenhum apreço por ladrões profissionais, que desejam ser
ricos, como não tenho por banqueiros, políticos. E quanto ao cidadão de bem,
que compra seu carro com esforço, um dos grandes bens de sua vida? Tenho algum
apreço por ele? O defenderia daqueles que precisam, ou mesmo querem, ir às ruas
para roubar? Deleuze e Guattari eram ladrões profissionais, e os admiro. Eu sou
um ladrão pé de chinelo, e não estou procurando ser admirado. Sempre quando
ouvia a palavra “doutor”, ficava com medo, pensava: alguém muito importante
está próximo. Hoje, ser doutor para mim significa muito pouco. É interessante
como o empresário cheirador de pó, yuppie, o pesquisador alcoólatra, a dona de
casa que toma valium, como esses são tão bem aceitos socialmente; o que não
acontece com o ladrãozinho pobre que rouba para manter seu vício. O empresário
se orgulha de si, se sente feliz por não ser um ladrãozinho. O intelectual se
considera especial, por pensar o mundo, como se pensar fosse algo restrito a
poucos. E eu estou no meio disso, não estou livre, sou mais um; melhor, menos
um. Rimbaud dizia que era um negro. O Beatnik era negro, melhor, white negro.
Os White Phanters queriam ser negros armados. Negri foi um presidiário. Deleuze
foi um fraco, suicida; Hemingway e Thompson também. Bukowski, o vagabundo; os
ladrões, viciados, gays como Burroughs, Jim Carrol. Vagabundos, presidiários, michês,
suicidas, ladrões, me sinto bem com eles. [.......................] Há toda
essa tradição, na literatura, no cinema, na música, nas artes em geral que
tratam do excesso, da vida em excesso, dos prazeres diferenciais. Na literatura
para citar alguns: Baudelaire, os Beats, Bukowski, o Gonzo, Piva, Huxley,
Artaud, Pepe Escobar, Breton, Blake. Os Beats são centrais pelo contado deles
direto, físico com a contracultura norte americana. Burroughs, o Beat com mais
idade, é considerado pai da arte pós-moderna. Sua escrita era tão radical
quanto seus excessos. Kerouac, o
escritor desse livro tão importante para a geração da contra cultura, On the Road,
produziu uma escrita que está na borda entre realidade e ficção. A vida dele
era tão rica que se negou a escrever algo além dela. Kerouac ajuda na escrita
etnográfica, já que ele fez seu trabalho de campo pelos Estados Unidos e o
narrou em seus livros. Bukowski se irmana a Kerouac, já que ambos mostram
realidades duras, da estrada, da pobreza, da narcose, do alcoolismo. Se os escritores apresentavam eles mesmo suas
loucuras em suas obras, as vidas de muitos músicos, tão loucos quanto, são
expostas principalmente pelo jornalismo alternativo e cultural. Documentos
sobre os músicos que surgem a partir do sessenta – talvez o início de uma tradição
de suicidas, drogados, sexualmente perversos – são muitos, em formato de vídeo
e texto. São tantos, que afirmam o
fascínio por essas vidas singulares. No rock é muito comum a criação de guetos,
micro fascismos; muitos fãs se apegam a um estilo e rechaçam todos que destoem
desse estilo escolhido. Porém, no que diz respeito ao excesso, estilos
diferentes se ligam, há esse comum entre a psicodelia, o pré punk, o punk. O
pop vende a imagem do artista belo, jovem, saudável, o pop é uma música para o
bom cidadão. Entretanto, são muitos os artistas vendidos dessa forma, mas que
têm vidas desregradas. No rock, marginal, o estilo de vida desregrado é
mostrado de forma descarada. E como já
me perguntei no livro algumas vezes: por qual motivo valorizam essas vidas que
parecem não ter valor? Vício,
abstinência, prisão, temporadas em manicômios, ressacas longas e duras. O que
todos eles mostram é que a vida cotidiana é insuportável, por isso, preferem os
excessos mesmo que sejam extremamente dolorosos. É melhor o risco da morte do
que a vida das pessoas comuns. E não fazem isso para se ser uma pessoa
especial, já que um viciado não é alguém especial é um pária; e mesmo se é
glorificado pelo que faz, ninguém ficaria feliz em ser um. É comum dizerem que
as drogas ajudam na criação. Talvez em certo momento, antes da prisão do vício.
Fascina muito mais quem está de fora, o fã, do quem está por dentro, o viciado
pesado.
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