sexta-feira, 26 de maio de 2017

....


Já tentei inúmeros tipos de estilos desde quando comecei a escrever. Meu primeiro trabalho era de contos sobre realidades delirantes. Em determinado momento escrevi um livrinho de poemas conceitual, com linguagem de rua, mas que não funcionou e ficou esquecido. Amadureci meu trabalho com um livro de crônicas, também conceitual, que se centra em minhas experiências principalmente na adolescência. [........] O estilo deste livro difere do estilo das crônicas do terceiro capítulo do livro anterior publicado neste volume, mas há proximidades. Como já disse na primeira parte do outro livro, este é uma linha de fuga, um aumento de território, a tentativa de produzir o descontrole, de enlouquecer pelo menos na língua. Deleuze fala em gagueira, estrangeirismo na própria língua [.....] Aqui fujo da língua dominante dentro dela; e gírias, expressões de rua mostram a sua maleabilidade. Certas turmas em certas estações, certos guetos em certas estações, os jovens, os marginais, os drogados criam expressões que só têm sentido para eles nesses momentos, e o que eles fazem, é poesia, considerando poesia como um devir menor da língua. Eu uso aqui muitas expressões dos inúmeros guetos que pertenci, e aliás, mesmo sendo doutor, eu não consigo fugir de certos vícios de linguagem de rua, quando falo, seja em aula, palestra, o que for e que se foda. [........] E não só em relação às expressões, alguém chapado de maconha, morfina tem um ritmo de fala diferente, mais lento, pausado, baixo, calmo. Alguém louco de cocaína ou anfetamina tem uma fala rápida, dura, sem respiração, direta [...] Quem está louco de coca não quer parar de falar, por isso, conta histórias em detalhes, os mínimos detalhes para prolongar ao máximo a fala [....] Ele, o cheirado, não quer contar uma história quer apenas falar. [...] Membros da trupe de Andy Warhol gravavam conversas presenciais ou por telefone loucos de anfetamina.  [................] A ideia do texto que segue surgiu quando eu com frequência comecei a pensar em frases sem sentido. Me perguntei se seria possível escrever algumas páginas com frases do tipo. Fiquei espantado que escrevi de forma fluida o que será apresentado posteriormente. [........] Há um ritmo em todo o texto, variações, mas todas as frases foram escritas e editadas para serem lidas, apresentadas em voz alta. A linguagem da rua é a fala, dificilmente é atualizada na escrita, por isso a importância da poesia, registrar esses fluxos linguísticos. [...............] As frases absurdas que compõem o texto, mesmo as mais absurdas, que talvez sejam impossíveis de serem lidas, foram escritas de tal forma que posso declamá-las. No trabalho de revisão, e foram muitas revisões, manter o ritmo foi central. Ou seja, as frases não foram simplesmente jogadas no texto, elas passaram por um tratamento rigoroso. [........] Todas as frases são curtas. Frases curtas permeiam meu trabalho literário. As frases curtas ajudam no ritmo; é mais fácil de narrar, ler, uma frase curta; e como as frases são absurdas ou se conectam com outras de forma absurda, quanto mais longas, mais difícil seria de manter esse ritmo. Sempre achei pequeno burguês frases longas, escritas por aqueles que têm total domínio textual, que se permitem escrever frases de muitas linhas para mostrar seu domínio. Textos escritos para pequenos burgueses, os que que conseguem manter a leitura de frases que nunca acabam. [.....] O carinha de rua, o jovem, o marginalzinho, ele fala rápido e muitas vezes essa fala é composta apenas de gírias, expressões de rua [......] No texto há graduações de absurdidade, de falta de sentido, essas graduações se referem às experimentações, ao mapa que fui montando, pequenas diferenças internas, as quais busquei, mas sem sair do conceito do texto. Me perguntava: quanto posso enlouquecer, quais novas linhas traçar, mantendo o conceito?  [........................] O texto é dividido em blocos, os blocos não narram histórias, há muitas frases isoladas, que não se ligam a outras, porém, algumas frases se conectam a partir de um possível sentido. Há um narrador, alguém, uma primeira pessoa que fala para outros. Há sujeitos, algo como personagens, mas eles não agem, não tem história, são citados a partir de um humor peculiar. Há humor, e muito, pelo menos para mim. Também estão presentes alguns elementos de cultura pop, cultura drogada. Palavras de baixo calão estão em todos os blocos, além de gírias e expressões de certos guetos de jovens e drogados – aliás, se histórias forem buscadas em certas partes podem ser encontradas, pelo menos por mim, e são histórias referente à sexualidade livre e ao uso de drogas. O texto pode ser recortado, como se quiser, pode ser lido de qualquer forma: é um caos, mas organizado... Ele foi finalizado quando atingiu o tamanho mínimo de um livro de literatura já que talvez nem tenha sido feito para ser lido. [....] Mas como disse:  o texto não é espontâneo, não são palavras jogadas na tela. Escrevi com calma, li e reli, reescrevi, tirei muita coisa, coloquei coisas novas. É necessária uma tal rigorosidade para se criar um trabalho absurdo e caótico, considerando que quem escreveu “Diego este que fala” é um bom cidadão, criado na academia, doutor. E mais, considerando que tenho experiência na escrita, que não sou naif sempre estudei literatura e artes, sei que tentar enlouquecer na arte pode se transformar em qualquer coisa. Esse tipo de exercício é importante, já que se realiza em um meio em que posso enlouquecer sem ser preso: a literatura; ou seja, é quase medicina. [....] E isso já permite um grau de loucura para o leitor. Se alguém enlouquece na rua, na sala de aula, em casa, no trabalho, pode ser preso, mal visto ou internado. Gosto de ser mal visto. Enlouquecer é buscar linhas de fuga dos padrões – a prisão – dominantes. Enlouquecer na escrita; um pouco de ar, vida – louca vida.   

Um comentário:

Anônimo disse...

Muitos escritores já disseram que a tristeza os fazem escrever. Sim, quando o teclado está banhado em lágrimas é o melhor momento de se escrever e na madrugada, pois é quando o auge da tristeza e sensibilidade se juntam. E nada de conferir português ao final. É escrever e mandar para quem quer que seja.
E com mais um acréscimo já que escreveu sobre drogas. No auge da madrugada, das lágrimas depois de tomar o Rivotril - nossa grande vendida droga lícita - que destrava e ajuda a chorar existe um ponto certo de redigir: após tomar o Rivotril, espere um pouco. Uma certo destravamento acontece misturado com uma certa coragem de escrever. De manhã nos arrependemos. Às vezes dá tempo de apagar, mas às vezes já foi. É nesse ponto do efeito do Rivotril quando relaxa um pouco, mas ao mesmo tempo a sensibilidade está intensa e ainda existe lucidez, é que o texto mais sincero nasce. Assim, nesse "transe" que no outro dia, logo pela manhã, eu recebia diversos elogios quando nem mesmo lembrava direito do que havia escrito e sabia que durante o dia eu jamais conseguiria escrever com tamanha perfeição.
Escrevo enquanto aguardo meu sono. Optei por colocar como anônima, afinal, não nos conhecemos. Mas eu existo e não existo também...Eu não sei quem eu sou. Apenas, no momento, aquela que tomou o Rivotril e está escrevendo na página de um estranho.
Fica a dica de quando se quer escrever qualquer loucura. Rivotril, aguarde uns minutos na madrugada, misture o relaxamento que ele dá, virá a coragem (ou loucura? coragem é loucura?) de escrever qualquer coisa até que o sono venha. Tiro os óculos para enxugar as lágrimas. Chega por hoje, né? Quero dormir e sonhar. Meus sonhos tem sido agradáveis. Escrita e arte ficam difíceis para quem não possui uma grande sensibilidade. Hipocritamente descubro um alento para um quadro depressivo.

Patrícia - Rio de Janeiro.