sábado, 2 de setembro de 2017

duas crônicas


Eu não aceito que me vejam como um fraco, um pobre, um gay, uma mulher, um perdedor, vou lutar para que me vejam como alguém bem-sucedido. Sou um pudico, um boca limpa, só uso belas palavras. Todos cagam, mijam, espirram, vomitam, transam, suam... corrimento sai da vagina, porra do pau, onda vermelha. Idiotas inspecionam as fezes. Sangue do nariz cheirado. O banheiro fede a merda, a mijo. A toalha usada tem o cheiro meu e dela. Mas escondo isso já que tenho vergonha do corpo, do meu corpo, do dela, de todos. Eu nunca menciono isso, não há merda em meu trabalho intelectual, já que intelectuais não tem cú. [......] Ela gosta do doce do pênis, ele gosta do doce do cú, eles e elas gostam do salgado da vagina. Ele beija ela depois de a chupar e nunca limpa a boca. Ela chupa o pau dele e ele beija ela. Ela chupa o pau do amante e depois beija ele, e ele faz algo parecido. Ele chupa a vagina do seu amor menstruada. Nós cultuamos urina, merda e sangue. Fumantes queimam a pele, e pele queimada tem o seu cheiro. Depois do corte rola a cicatrização, purulenta; e o pus é tão doce. Quando criança ele cagava, colocava os dedos nas fezes e pintava as paredes; virou um grande artista. Quem fuma conhece e muito bem o catarro, quem tem asma também. O catarro às vezes mais perolado como porra, às vezes mais amarelado, purulento, às vezes com sangue. Ele gosta de lamber a pele dela de noite, mesmo que ela só tenha tomado banho de manhã; gosta do gosto da axila meio depilada e daquele cheiro forte de gente no verão. Tava todo mundo no fumódromo, ou na fila do banheiro se beijando, se agarrando – sem penetração já que no caso era algo secundário – muitos já tinham vomitado, todos estavam com a boca seca dos crivos e da biras, muitos tinham herpes e hpv e nem sabiam; mas e daí? Anjos não são assexuados, anjos trepam em qualquer lugar, chupam o que aparecer na frente, só não chupam os próprios dedos. Beijar uma boca que acabou de vomitar é amor. [...] E tudo isso é feito por gente que sabe muito bem o quanto o corpo é podre e, por isso, delicioso. Essa gente não tem nojo de si, do seu corpo. Mas se essas relações com o corpo forem expressas na mesa de jantar, ou em sala de aula, ou na reunião da empresa, se forem faladas para a esposa, ou para as amigas delas, ou ao pai e a mãe, para as pessoas sérias de forma aberta, melhor, radicalmente aberta... quem fizer isso vai ser visto de qual forma? A assepsia da ciência; a ciência como um espaço para pessoas sérias falarem sobre coisas sérias; e o corpo que pulsa o tempo todo, caga e mija, sempre... isso deve ficar de lado.  [...] Burroughs é o corpo na literatura, principalmente as moléculas do corpo. Kerouac era um corpo em movimento na estrada, mesmo que em Big Sur as moléculas fossem expostas a partir do delirium tremens. [....] O louco queria que os banheiros de apartamentos tivessem uma sacada, grande. Daí ele acordaria de manhã e daria uma boa cagada curtindo a vista, as ruas, as pessoas, a cidade. Uma relação anal com a cidade. [....] “Coprolalia” é um termo interessante, se refere às expressões obscenas, mas que são usadas em poucos espaços, nas ruas, em ambientes de ócio. Quem tem Tourette sabe bem o que fala e faz: cospe, pula, xinga não está nem aí e que se foda. Ele fala a verdade, reconhece uma puta que esconde que é puta, ele a vê e diz, berra: sua puta! Quando tem alguém escroto, ele cospe nele, e sabe o que faz. Ele assusta já que mostra a verdade que ninguém quer ver. Sabedoria de quem tem Tourette, sabedoria dos loucos. [....] Os punks não são menininhas, curtem o corpo: o vocal do The Clash pegou hepatite já que cuspiram dentro da boca dele em um show; a famosa cusparada no show punk. Sid Vicious pegava água de latrina para se picar. Lou Reed queria que cagassem na cara dele. A banda xinga a plateia e a plateia xinga a banda, todos no show se cospem, se batem: o punk tem Tourette. Os Titãs sempre foram meio punks, eles não tinham medo de falar a verdade: “amor, eu quero te ver cagar”. [....] A sabedoria das pregas do cú. Quem dá o cú não fala sobre o cú ou dar o cú. O cara dá o cú, mas escreve sobre florzinhas e amor. Não fala, exatamente, do que conhece já que sabe que vai ser bloqueado nas redes sociais, não vai conseguir emprego em um jornal, vai se queimar em sala de aula... e se falar sobre dar o cú em uma revista acadêmica, vai ter que modular o tom, de tal forma, que o texto não tenha mais o cheiro doce de cú.
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O louco é tão louco que tem cinco sentidos, mais o sexto. Só que o sexto não é um sentido a mais, mas a relação entre todos os sentidos. [....] Ele sente um orgasmo especial quando transa, orgasmo no peito, no coração, no pulmão; sim, o coração quase explode junto do orgasmo genital, ou antes dele; antes ou junto, tanto faz, tão bom quanto. [....] O morto está morto, como disse Gullar, mas o louco está vivo, e o louco está louco. O louco não come uma vagina, ele é comido por ela. O louco vê ela sorrindo, mas sabe que ela está triste. O louco sabe que “um doze” pode ser “um vinte um”, e vinte às vezes está bom, é uma boa mesa no jogo de poker. [...........] A transa de um casal diz respeito aos dois, mas não apenas, diz respeito a muita coisa, muitas pessoas. Duas legiões que se encontram, não para entrar numa batalha, mas para produzirem algo em comum. Ás vezes funciona, às vezes não, e quando funciona... são as singularidades das duas legiões agindo em comum: um sentindo o outro na performance que não é teatro; sem nóias, chatices e frescuras. [....] Quando eles acordam – aquele casal que vira a noite – e tem umas seis camisinhas usadas no chão, bem usadas, eles dizem, sem vaidades, um pouco surpresos: a noite foi boa com a gente.... e, vamos transar antes do almoço? [....] O hipster entende as hipsters. Os casais hipsters são a união de dois indiferenciados. O hipster faz bem o papel de mulherzinha, de amigo, de carinhoso, ele sabe chupar como uma mulher. O hipster, para ser um, teve que se tornar isso: a melhor amiga da sua mulher na cama. O nerd, se ainda existem nerds – já que os hipsters são a evolução dos nerds –, o nerd é o gatinho na cama, reprimido, guiado pela mulher. Já o grosso, o rude, se sente mal na cama, sente vergonha e goza rápido, já que estar junto de alguém de uma forma íntima é quase impossível para ele. [....] 

4 comentários:

Anônimo disse...

Ainda não dormi, então ainda é minha madrugada e geralmente consigo me expressar melhor nela. Como sou pudica, tomei Rivotril, mas ele não fez efeito.
Esta semana aqui no Rio de Janeiro (sou carioca) uma foto com três jovens tomando banho de sol em um trecho interditado do BRT viralizou nas redes sociais. Li vários comentários ofensivos de repúdio ao ato. Interessante é que uma parcela considerável daqui do Rio fica torrando no sol escaldante do verão na praia, mas tenho a impressão nos comentários que li que elas cometeram um crime. Não teve helicóptero da polícia em cima delas não...que sorte.
Lendo esse texto me vieram à mente essas meninas. Somos tão iguais e ainda pensamos que somos diferentes. Lembra no tempo do Orkut que havia umas comunidades do tipo "A Sandy não caga"? Penso que há pessoas que acreditam nessas coisas.
O que poderia ser feito para curar? Uma visita ao IML para conscientização de que depois de horas o corpo é só uma carne apodrecida? Pensemos...

Vou provar aqui que não sou um robô e tentar dormir.

Patrícia.

diego de carvalho disse...

hum; citou BRT, é do Rio mesmo; tava pensando que era alguma ex querendo me alugar. mas uma ainda pode.

Anônimo disse...

Hahaha, existe alguma outra forma de chamar BRT fora do Rio ou as pessoas não conhecem???
Sim, sou do Rio, falo bixxxcoito. Só não te falo para passear aqui porque a violência está grande. Sou nenhuma ex sua não..rsrs (perseguição de ex deve ser uma merda).
E não dormi de novo. Eu tenho vontade de conhecer a Coreia do Sul e acho que minha mente já deve estar se programando para o fuso horário. Só pode! Abraço!

Anônimo disse...

Ah! Aqui também tem VLT..rs Andei para ver como era no período da gratuidade, porque fora isso, nos trechos curtos ali no Centro, é muito mais rápido circular a pé. Falei do VLT para provar mesmo que sou carioca. Realmente fiquei comovida com sua angústia de ser alguma ex te enchendo.